sexta-feira, 22 de maio de 2015

CAFÉ COM CULTURA: Um pouco da história de Paranaguá

Fui honrado com um convite esses dias atrás. Veio de uma amiga especial: Maria Angélica Lobo Leomil, presidente da Fundação Municipal de Cultura de Paranaguá, a Fumcul.
Nele, a Fundação me convida para ser moderador de uma mesa de debates culturais, mais especificamente da lei que criou em 1968 o Conselho Municipal de Cultura, e a importância daquele ato do então prefeito Nelson de Freitas Barbosa, que a história coloca como um dos mais importantes prefeitos de Paranaguá, por sua visão de um estadista municipal que pensou e teve a visão de uma cidade além de seu tempo.
A prova disso, é que ele gostou tanto das conversas que teve com Antônio Pereira da Costa, um homem público de uma grandeza que aqueles tempos ainda produziam.
Voltemos à mesa que serei moderador:
O evento “Café com Cultura”, promovido pela Fumcul, aberto em 2015 no dia 21 de maio às 4 horas da tarde na Casa Monsenhor Celso, tem como convidados para participar da mesa algumas das figuras atuais que são ícones da memória cultural de Paranaguá: Alceu Maron, Florindo Wistuba Junior, José Maria de Freitas, Alessandro Stanicia e a eterna primeira-dama da cultura da cidade, professora Ivone Elias Marques.
O peso cultural dessas pessoas por si só deixa minha responsabilidade com pernas bambas, tal é a importância e conhecimento deles sobre a história e formação cultural do nosso litoral, que subiu a Serra do Mar e ajudou a formar o estado do Paraná.
Parece que a cultura é algo que não agrega nada às nossas vidas não é mesmo?
Temos contas pra pagar, criar nossos filhos e sustentar nossas famílias e sermos dominados pelo que se chama sociedade de consumo. Não somos máquinas: somos essencialmente seres sociais, com um conjunto de valores, comportamentos, expressões artísticas, linguagem regional, formação e miscigenação étnica, enfim, de história rica acumulada por séculos.
Nomes de ruas, praças, edifícios, estátuas, bustos, avenidas e escolas…. repetimos e repassamos a terceiros sem parar pra pensar por um segundo. Quem foram essas pessoas que construíram esse patrimônio cultural?
Quem foi Antônio Moraes Pereira da Costa, que deu o nome à “Avenida
Antônio Pereira” que sobrepõe a rodovia federal BR-277 no perímetro urbano e termina na portaria principal do Porto de Paranaguá?
Este ex-funcionário da antiga Alfândega dos Portos Paranaguá e Antonina, teve intensa dedicação na vida social e política da cidade, mas como obra maior, foi sugerir ao então prefeito Nelson de Freitas Barbosa, a criação de um conselho municipal, que reunisse todos aqueles que se interessassem pela cultura, e fosse o órgão que fosse o formulador de políticas e eventos culturais do município de Paranaguá.
Suas ideias foram inspiradas nas conversas em Curitiba com o Dr. Andrade Muricy, então presidente do Conselho Nacional de Cultura.
E assim se fez: um decreto do prefeito transformou Paranaguá no primeiro município do Brasil a constituir o seu Conselho Municipal de Cultura. Sabia?
Daí tudo começou a fluir: a Casa Monsenhor Celso, a Casa Cecy, as produções literárias, palestras, pinturas, artesanatos, danças e as demais expressões artísticas locais, incentivadas por projetos culturais.
Minha participação neste evento, só pode ser uma conspiração do universo pelas mãos da querida amiga presidente da Fumcul.
Vejamos as coincidências da vida:
A Casa Monsenhor Celso é uma homenagem ao ilustre parnanguara Celso Itiberê da Cunha, que após ser ordenado padre, recebe sua primeira paróquia na cidade de Cerro Azul, no Paraná. Era 1873 e por lá ficou por diversos períodos intercalados até 1905.
Meus bisavós paternos, Joaquim e Laurinda Souza, católicos fervorosos foram fiéis da igreja do jovem padre Celso, cada vez mais famoso por seu carisma e simpatia. Meu avô Arlindo de Souza nasceu e foi batizado na igreja de Cerro Azul, provavelmente pelas mãos padre Celso.
Passou a ser chamado de “monsenhor” a partir de 1900, quando foi promovido a vigário da Arquidiocese de Curitiba e ainda visitava sua amada primeira paróquia: Cerro Azul.
O monsenhor Celso faleceu em 11 de julho de 1930, uma comoção no Paraná: Curitiba, Paranaguá e Cerro Azul foram as cidades que mais choraram sua perda, pois significaram muito para o padre e seus seguidores.
Nos meses seguintes ao luto do monsenhor, ainda em 1930, minha avó Maria José estava grávida de seu primeiro filho e meu pai, que ao nascer recebe o nome de “Celso”.
Passadas várias gerações, quis o destino me trazer pra Paranaguá, desenvolver uma vida acadêmica, casar com uma mulher da terra, ter uma filha parnanguara, trabalhar no porto e ter a honra de estar numa ilustre mesa do Café com Cultura.
Obrigado à Fumcul e à presidente Maria Angélica pelo convite. Viram como o universo nos prega umas peças?
Minha mensagem é: Cultura – alimentemos nossa alma com ela, e a vida passará a fazer sentido a nós e aos que estão à nossa volta.


É a Minha Opinião.

FONTE: Publicado na Web com o jornal eletrônico CORREIO DO LITORAL (Guaratuba-PR).

quarta-feira, 18 de março de 2015

Porto de Paranaguá - 80 anos: Uma medalha no coração

Tive a hora de participar de vários aniversários do nosso porto Dom Pedro II, em especial, do jubileu de diamante, ou seja seus 75 anos. Mandei fazer uma medalha comemorativa e entreguei-as uma a uma a cada um dos 700 portuários e até estagiários da Appa (Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina) em março de 2010.
Aproveito para uma rápida pincelada pela história sobre os 80 anos do Porto Dom Pedro II. Pouca gente sabe o porquê do nome. Afinal, o que comemora-se deste velho octogenário é a entrada em operação em 1935 do novo cais inaugurado para substituir as precárias operações de canoas, carroças e lombos de mulas à beira das calçadas da Rua da Praia, com um singelo guincho na praça que hoje leva seu apelido.
No final do Império, o imperador Dom Pedro II enviou seu ministro da Marinha, o barão de Tefé, para pôr fim a uma briga política que se travava no Paraná. Capelistas (como até hoje são chamados os antoninenses) e parnanguaras se digladiavam para serem escolhidas como o “porto oceânico” que o Imperador iria conceder a empresários a exploração na província.
Após estudos, o então almirante, geógrafo e ministro da Marinha Antônio Luís von Hoonholtz, mais conhecido como barão de Tefé, escolheu e indicou Antonina como local recomendado para o novo porto provincial.
Era um momento de glória para a cidade que já havia se separado de Paranaguá e tornara-se município em 1857.
Os parnanguaras ficaram furiosos!
Uma comitiva de ilustres políticos locais rumaram para a corte imperial no Rio de Janeiro e quase deixaram o imperador maluco… quem sabe o ameaçaram de “impeachment”?
Finalmente, o imperador assinava um decreto em 1872 concedendo a um grupo de empresários construção e exploração de um porto no local chamado Enseada do Gato, conhecido um portinho de canoas chamado Porto D’Água, onde se encontra o atual cais, nas proximidades do antigo prédio da alfândega, atual Receita Federal.
Antonina foi preterida, mas permaneceu o maior porto do Paraná até os anos 1950 em tonelagem movimentada. Erva-mate, madeira, produtos das indústrias Matarazzo com seu porto privado. Por isso o velho terminal da Appa na cidade leva o nome “Porto Barão de Tefé”, em homenagem ao ministro da marinha imperial que a escolheu.
Em compensação, alguém conhece alguma rua ou praça com o nome do “barão” em Paranaguá? Não, não há, foi banido!
Apesar da concessão a particulares em 1872, o empreendimento não evoluiu. Mesmo após o desembarque do imperador Dom Pedro II em Paranaguá em 1880, quando lançou a pedra fundamental da obra da ferrovia Paranaguá-Morretes-Curitiba, que ligaria o novo porto à capital.
Mas o Império caiu! Foi proclamada a República em 1889 e tudo voltou à estaca zero.
Somente com a chegada ao poder de Getúlio Vargas em 1930, é que enfim a obra decolou, após os pedidos do então governador-interventor, o pontagrossense Manoel Ribas, que conseguiu com aliado político a concessão da construção do porto ao jovem estado do Paraná.O Estado vendeu terras públicas e lançou bônus para as empresas que colonizariam o norte do estado. Nascem Londrina, Maringá, Cianorte e dezenas de outras colônias, cujas companhias de colonização e suas compras de glebas no estado financiaram e impulsionaram as obras do que é hoje o Porto de Paranaguá.

17 de Março de 1935: O navio-escola “Almirante Saldanha” atraca no cais, inaugurando oficialmente, pois a primeira operação de navio no porto já havia ocorrido em 1º de julho de 1934 com o vapor brasileiro “Bahia”, do saudoso armador Lloyd Brasileiro. E o nome do Porto? Justa homenagem ao imperador DOM PEDRO II, mesmo já estando em plena república do Estado Novo com Getúlio Vargas.
Para encerrar, aí vai a foto da medalha que entreguei em 17 de Março de 2010 por ocasião das Bodas de Diamante do Porto.

Medalha do Jubilei de Diamante - 75 anos do Porto de Paranaguá - Dom Pedro-II

A ocasião me marcou muito: apertei a mão de centenas de portuários, jovens e velhos com mãos calejadas. Gente simples e doutores tirando fotos emocionados. Vários me olhavam agradecidos e diziam: – O Porto nunca tinha dado nada pra nós. Essa é a primeira medalha que ganhei na vida! Era de dar nós na garganta e entender a alma portuária!
Aos 80 anos, metade dessas pessoas não mais trabalham lá. Foram aposentadas e incentivadas a irem pra casa. Não sei se os 350 que ficaram ganharão medalhas… Eu dei a minha, e essa história ninguém me rouba.
São “tempos modernos”, como diria Charles Chaplin: eficiência, competitividade, custo baixo, blá blá blá… as pessoas e a história já não importam muito.
O porto atual foi construído por nordestinos, operários holandeses, gregos e gente de várias partes do Brasil que pra cá vieram ao longo das décadas. Eu deixei por lá meu tijolinho.
Viva o Porto de Paranaguá e todos aqueles que um dia deixaram suores e lágrimas nas pedras pisadas do cais, como eu.
A eles, entrego uma medalha moral, de papel escrito para colocarem nos seus corações!
É a minha opinião.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

AMÉRICO VESPÚCIO : Do Brasil à Patagônia (Parte 1)

VESPÚCIO E UM BIÓGRAFO

Um dos mais interessantes biógrafos de Américo Vespúcio foi o colombiano Germán Arciniegas (Bogotá, 06/12/1900 a 30/11/1999), com sua fantástica obra Amerigo y el Nuevo Mundo, publicado em 1955 na cidade do México pela Editorial Hermes. Professor do departamento de espanhol da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, além de fazer parte do Seminário do Renascentismo, Arciniegas desenvolveu profunda pesquisa sobre homem e navegador florentino Amerigo Vespucci diretamente nas melhores fontes: Florença, Roma além de bibliotecas europeias e interagir e debater com estudiosos italianos.

Germán Arciniegas

Sua obra não é conhecida no Brasil, tampouco traduzida, o que me propus a fazer e brindar os leitores com estas peças raras da história da América, em especial da sua costa e gente do Atlântico Sul.
Boa navegada!

AMÉRICO VESPÚCIO: DO BRASIL À PATAGÔNIA – 1501 A 1502 (Parte 1)
Passando pela Baía de Paranaguá, suas praias e a assembleia de marinheiros.

Descendo a costa do Novo Mundo e sua gente
Quando os leitores das Cartas de Américo se depararam com esta passagem, ficaram mais impressionadas do que nenhuma outra. Entre 1502 e 1503 se desenhou um planisfério que permaneceu inédito até o ano de 1859, quando o padre Kunstmann publicou um famoso atlas em que reproduziu os mapas mais importantes feitos no século XVI em Espanha e Portugal. A alguns destes mapas anônimos se deu o nome do padre Kunstmann para identifica-los. Kunstmann II ao feito entre 1502 e 1503. Sem dúvida, o autor se apoiou na viagem de Américo Vespúcio.
A costa do Brasil e da Argentina estão desenhadas até mais abaixo dos 45° Sul (Patagônia Argentina). Tão interessante como a linha da costa são as ilustrações. Dominando o interior do Brasil, há uma cena cuidadosamente desenhada: é um assador que um índio ajoelhado faz girar suavemente, e na fogueira assando um cristão (como eram chamados os europeus para diferencia-los dos nativos) desnudo que vai tostando-se entre as chamas. Este desenho se repetirá a seguir em outros mapas.
Américo escreveu algumas considerações a antropofagia. Dizia que nas guerras costumava-se a comercializar-se inimigos que eram prisioneiros. Que as mulheres, depois que eram usadas por algum tempo, eram flechadas com todos seus filhos em grandes festas em que celebravam as vitórias ocorridas. Dizia que enfeitavam as habitações com presuntos feitos de pernas humanas defumadas. Que os índios vencedores mantinham crianças engordando para enriquecer suas despensas. Compadecidos, disseram comprar uns dez que “estavam destinados ao sacrifício, por não dizer o malefício.”[1]

A gente nativa da costa do Brasil
Conta Américo, que os homens costumavam perfurarem-se os lábios e as bochechas para colocarem pedras de alabastro verdes e brancas, algumas largas com meio palmo e redondas como cerejas catalãs. Tinham este costume brutal, mas reconhecia que as pessoas eram saudáveis e viviam muitos anos. O tempo, disse, eles contavam pelas luas, colocando uma pedra para cada lua. “Encontrei um velho que me mostrou com pedras, ter vivido 1.700 luas, que são 132 anos. ”A relatividade destes cálculos se deve compreender pelas condições em que Américo recolhia seus dados, e a margem que deixava, sem ocultar, à fantasia do leitor. A vida ao ar livre quando menos, eliminava as pestes e doenças que ele conhecera em Florença. Que diferença entre o ambiente da natureza tropical e a vida das cidades saídas do mundo medieval! Américo escreve de seu novo mundo: “Aqui um médico morreria de fome”.


Livro original: Amerigo y el Nuevo Mundo (Editorial Hermes, 1955, México).


Mais do que ouro e riquezas, a natureza.
Brilha por sua ausência, como sempre, o relato de Américo pela questão do ouro. Segue sendo este uma característica o distingue de Colombo e dos demais conquistadores. Mas, além disso, agora a combina com alguma fina observação irônica. Ele declara que o Rei (de Portugal) os enviou para descobrir, e não para buscar proveitos imediatos.  Descobrir implicava, certamente, observar as riquezas que houvessem, mas Américo se pôs cauteloso contra os cálculos ilusórios que pudessem leva-los a falsas especulações.
Desde logo, disse, a terra há de ter riquezas que os nativos não se apressam em ostentar no que os europeus mais interessam. Eles apreciam mais as plumas que o ouro e a prata, e o Rei de Portugal terá muito o que aproveitar da nova colônia. Os homens do país costumam falar: “Contam do ouro e de outros metais e drogas muitos milagres. Eu sou daqueles que, como Santo Tomás, andam devagar para crer”.
O que primeiro saltava à vista era um reino vegetal. Outros mapas que se desenharam seguindo os relatos de Américo incluíram, além do cristão europeu assado na fogueira, árvores e papagaios. Américo fala do pau-brasil (verzino em italiano)e da canafístula. De pedras encontrou muitos cristais que não conhecia. De ervas e especiarias, muitas também. Mas, ele declarava ignorar para que poderiam servir.

O deslumbramento pelas novas terras
Não é difícil imaginar a emoção à medida que iam descobrindo os acidentes da costa: os cabos, as baías, as bocas de rios, as ilhas. Iam com o almanaque[2] formando seu catálogo de surpresas. Vivian uma espécie de loteria mística: o que nos trará amanhã São João? E Santa Lúcia? Era milagre de cada santo a surpresa geográfica escondida em cada dobra da costa. Assim, os nomes não eram dados pelo comandante da frota, nem eram sugeridos pelos pilotos, eles saiam do calendário católico.
Em 28 de outubro de 1501 avistaram um cabo, era dia de Santo Agostinho, e foi batizado a atual Cabo de Santo Agostinho (Pernambuco, Brasil). Ele nos dava, a Ele lhe pertencia. Em cada nova parada, um sopro de um anúncio cristão beijava a costa.  No dia 16 de outubro, dia de São Roque, Cabo de São Roque. Em 1o. de novembro, dia de Todos os Santos, Baía de Todos os Santos. Este foi um presente do céu para Américo, pois era filho de uma paróquia de Todos os Santos em Florença, sua terra natal. Em 13 de dezembro, que nova maravilha! Era dia de Santa Lúcia, e na realidade a paróquia de Florença se chamava de Santa Lúcio de Todos os Santos. Então foi Rio Santa Lúcia. A data 6 de janeiro também era para Américo uma data querida: a dos Santos Reis. O tema dos pintores florentinos: a cena maravilhosamente tratada por Benozzo Gozzoli na capela do palácios dos Médici. A data festiva caiu exatamente em uma entrada do mar: a Baía dos Reis (atual Angra dos Reis). E assim tudo aconteceu: No dia 1o. de janeiro de 1502, o rio de Janeiro: Rio de Janeiro. No dia 20 a ilha de São Sebastião (litoral norte do atual estado de São Paulo, Brasil). Em 22 o estuário e abrigo de São Vicente (ao lado da atual cidade-porto de Santos, na latitude 24° Sul).

Um evento marcante: Em terras de Espanha, Américo assume o comando.
No dia 15 de fevereiro de 1502 ocorreu um acontecimento notável na expedição, e mais ainda na biografia de Américo. Já haviam transcorridos dez meses de navegadas e andanças por água e terra e não se via o término da viagem. Haviam descido tanto ao sulque já estavam abaixo do Trópico de Capricórnio[3] . Não haviam encontrado nenhuma grande cidade, nenhuma mina. Nada das histórias do oriente. Amarraram os barcos, se sentaram na praia e formaram uma assembleia de tripulantes, uma plenária aberta, um conselho de descobridores peregrinos, de companheiros. Não deliberaram como rebeldes ou amotinados. Ninguém fez cara de soberbo. Todos sabiam que a viagem não havia sido para buscar ouro, mas sim para achar os caminhos do Atlântico. Haviam visto o mundo que Cabral havia deixado ainda virgem, e isso já pagava a aventura.
Américo Vespúcio não mostrava nenhum ar de desencanto. Tinha a convicção de que esse mundo formidável, em sua simples grandeza florestal, era a geografia que se expandia, a experiência do homem que ia ampliando-se .
Se falou, falaram todos. Falaram até os mais humildes marinheiros que tivessem algo pra dizer. E se perguntaram: Seguimos?
Surgia, além disso, uma questão imprevista. A costa se movia em direção Oeste[4], e as novas terras ficavam fora do da zona em que, legitimamente, poderia o Rei de Portugal conquistar. Em maio de 1493, por causa da primeira viagem de Colombo, os Reis Católicos obtiveram do Papa as bulas que fixavam as repartição das ilhas ou terras firmes que se descobrissem daí em diante. O meridiano de Alexandre VI corria a partir de cem léguas para o ocidente das ilhas dos Açores. Deste meridiano para o oriente, seria tudo de Portugal, e para o ocidente seria para Espanha. O Rei de Portugal Dom João II se opôs a esta linha traçada e buscou uma partilha mais conveniente para ele, através de um acordo direto com os monarcas espanhóis. Os Reis de Espanha aceitaram a mudança que se concretizou no Tratado de Tordesilhas, de 1494. Por este tratado a nova linha se deslocava 270 léguas mais para o ocidente. Assim, viria a justificar-se mais tarde que os descobrimentos feitos na costa do Brasil se pusessem sob a bandeira de Portugal.


Meridiano de Tordesilhas: de Belém à Paranaguá (linha amarela)

A escala dentro da baía de Paranaguá: uma hipótese real.
Voltando a Américo Vespúcio, no mesmo ponto em que agora os marinheiros deliberavam, a costa saía da jurisdição portuguesa e se inclinava ao que pelo novo direito tratado, corresponderia a Castela.
Não sabemos com exatidão quem era o comandante da frota. Se presume que era o português Gonçalo Coelho. De acordo com o Tratado de Tordesilhas, “se os navios do dito Senhor Rei de Portugal acharem quaisquer ilhas e terras na parte dos ditos senhores Rei e Rainha de Castela, de León e Aragón, etc. Que tudo seja e permaneça para o ditos senhores Rei e Rainha de Castela...”. Em outras palavras, daí em diante, e se a costa não voltava a direcionar-se para o oriente, eles iam descobrir para Castela. O comandante português da frota deixou o mando.
“Feito nosso conselho – narra Américo -  se resolveu que se seguisse aquela navegação que me parecia bem, e foi posto a mim todo o comando da frota.”
Pela primeira e única vez, Américo foi comandante de uma frota. Não foi a escolha de um rei, nem ganhou o comando por um golpe ou motim. Ele havia sugerido a rota que devia se seguida, havia acertado com suas orientações, era o cosmógrafo, e os comuns o aclamaram.”
Esta data de 15 de fevereiro de 1502 merece ficar no calendários da América com a de um dia clássico. É extraordinário que, na primeira assembleia democrática celebrada em terra firme, não houvesse ocorrido uma luta violenta, mas sim, direcionaram os votos à favor de quem havia bebido seu conhecimento na luz das estrelas.[5]
O que Américo lhes oferecia? Não lhes convidou para perseguirem um futuro de riquezas, mas sim de uma brava aventura, e o fez quando estavam entregues à fadiga e ao cansaço. Ficaram apaixonados por uma expedição que se dirigia para a terras que somente podiam oferecer uma possível passagem para o oriente. Na história de López de Gómara, se disse que “Américo Vespúcio, florentino, foi enviado pelo Rei Manuel de Portugal às costas do cabo de Santo Agostinho no ano de 1501 com três caravelas para buscas nestas costas, uma passagem para as Molucas.”[6]
“Então, mandou que toda e gente a frota se provesse de água e lenha para seis meses, pois esse tempo estimaram os oficiais dos navios, que poderiam navegar nelas.” Assim se aprontaram e içaram velas a caminho das costas argentinas.

 (continua na próxima postagem).




[1] Gravura da primeira representação conhecida dos costumes no Novo Mundo, gravado com legenda em alemão, cujo original está na Biblioteca Pública de Nova Iorque, reproduzida por Steven em American Bibliographer, pp.7,8. É uma cena de antropofagia baseada no relto de Américo Vespúcio.
[2] Almanaque: Livreto derivado para palavra árabe al-manakh. Em Portugal, foi editado o primeiro na data de 1496: Almanach Perpetuum de Abrão Zacuto, impresso em Leiria. Fornecia tábuas logarítmicas e outras indicações com respeito ao curso do sol para cada dia do ano. As informações eram para ser utilizadas em concordância com os instrumentos astronômicos, além de que a Igreja Católica nominava um santo para cada um dos 365 dias do ano. Era uma das referências para batizar os acidentes geográficos.
[3] Trópico de Capricórnio: É a linha imaginária que divide o globo terrestre em duas partes ao sul da Linha do Equador. Está situado na latitude 23° 26’Sul, na altura do Rio de Janeiro. Divide o hemisfério sul em zonas de clima  tropical e temperado
[4] A navegada da Baía de Todos os Santos até Cabo Frio, a bússola aponta na faixo dos 190° Sul. Até o Rio de Janeiro, vira mais para Oeste em direção aos litorais de São Paulo e Paraná, oscila para 240° Sul, indicando que estava ‘entrando’ para Ocidente, e que possivelmente estavam rompendo o Meridiano de Tordesilhas, cuja linha descia de Norte para o Sul na longitude 48° 30’ Oeste, que pelos instrumentos atuais de navegação atuais, possível confirmar a linha entre os portos de Belém-PA e  Paranaguá-PR.
[5] Na entrada da baía de Paranaguá, situa-se a Ilha das Peças, com ancoradouro e seu rio de agua doce para aguada dos barcos e fundeadouro natural para naus do porte da época. Além de praias, está no limiar do que seria a linha imaginária do meridiano de Tordesilhas. A entrada da baía é franca, tendo sua parte mais estreita (entre ilha do Mel e das Peças) quase uma milha náutica, alinhada perfeitamente para a entrada de vento de popa (Leste) ou de través (Nordeste), como se velejava à época. Ventos estes predominantes na região, especialmente no mês de fevereiro (verão no hemisfério Sul).
[6] López de Gómara é o autor de Historia General de las Indias (p.211) na Biblioteca de Autores Espanhóis. Ao citar “Molucas”, refere-se as ilhas correspondentes à província das Molucas do Norte, na atual Indonésia. Eram chamadas "Ilhas das Especiarias". Nos séculos XVI e XVII a região era a única fornecedora mundial de noz-moscada e cravo-da-índia, especiarias extremamente valorizadas nos mercados europeus, vendidas por mercadores árabes à República de Veneza a preços exorbitantes. Sua localização era segredo bem guardado pelos  negociantes, pelo que nenhum europeu conseguia deduzir a sua origem.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

BAÍA DE PARANAGUÁ: SIM, FOI AMÉRICO VESPÚCIO QUEM A DESCOBRIU.


Havia uma frenética busca pelo Caminho Marítimo para as Índias pelo Oeste. As cortes portuguesas e espanholas já haviam se convencido que Cristóvão Colombo havia falhado: Ficou ali no Caribe desde 1492 dando trombadas de ilha em ilha e mentia para a Coroa chamando os nativos de ‘Índios’, como referencia às terras das especiarias que buscava e era financiado no final do século XV. O istmo da atual América Central era a barreira natural para oeste e a tão cobiçada Índia!
As espionagens, contrainformação e traições eram comuns já naquela época. Descobertas, mapas e expedições eram Segredos Reais, guardados a sete chaves.
Os reinos em geral, eram financiados por Casas Bancárias, no caso espanhol e português, os Florentinos e Genoveses eram muito atuantes para armar as expedições. Afinal, tudo era por dinheiro e poder.
Uma boa descoberta e novas rotas secretas de especiarias, resultavam em muita riqueza, por isso, os banqueiros italianos eram os mais atuantes.
Amerigo Vespucci ou no melhor português: Américo Vespúcio, era um jovem e culto Florentino que trabalhava na casa bancaria para seu tio Lorenzo Pierfrancesco dei Medici, em Sevilha na Espanha desde 1491.



Foi educado na capital da cultura italiana: Florença. Era época do Renascentismo europeu, onde as artes, as ciências, a astronomia e o comércio floresciam. Contemporâneos de Vespúcio? Michelangelo e Da Vinci. Era uma época de explosão pela busca do desconhecido.
Atribui-se também à Casa Bancária dos Medici ter financiado parte das viagens de Colombo, e que para isso, em 1497 ele embarca na sua primeira viagem, como um auditor financeiro querendo ver a competência dos tomadores de seus recursos. Portanto, entre maio de 1497 e outubro de 1498, teria participado de uma expedição comandada por Vicente Pinzón e Juan de Solís para percorrer as rotas abertas nos anos anteriores.
No início de 1500, já com o Tratado de Tordesilhas assinado, os espanhóis lançaram quatro expedições um pouco mais ao sul da rota de Colombo, que tocariam a costa do Brasil.
Para entender melhor como funcionavam as expedições daqueles rudes capitães de naus, resolveu embarcar na expedição de Alonso Hojeda, seguindo a rota de Vicente Pinzón e de seu irmão Francisco, que em 26 de janeiro de 1500 são os primeiro europeus a desembarcar em terras do atual território do Brasil.[1]
O local é disputado até hoje, onde seria a espanhola Santa María de La Consolación assim batizada pelos Pinzón. Mas é a cidade de Cabo Agostinho, atual Pernambuco que se orgulha desse feito.
Pouca gente sabe, mas foram os irmãos Vicente, Francisco e Martín Pinzón que comandaram as três naus da expedição de Colombo. Sem os três, Cristóvão Colombo não teriam entrada pra história.
Depois vieram em poucos dias as naus de Diego de Lepe, primo dos irmãos Pinzón e Hojeda com seu ilustre tripulante e então banqueiro Américo Vespúcio, que a bordo, praticava seus conhecimentos de matemática e astronomia aprendidas nos altos estudos escolares em Florença.
Foi nesta viagem que Vespúcio, a bordo da nau de Alonso de Hojeda, batiza uma baía na costa norte da atual América do Sul de “Venezuela”, ou seja, uma pequena “Veneza”, pois o povo nativo do lago Maracaibo habitavam casas sobre palafitas sobre as águas, lembrando a cidade sobre águas de sua Itália.
A paixão pela navegação se deu nestes anos. Vespúcio ao retornar pra Espanha deixa de ser um banqueiro para se tornar um homem do mar.
O serviço de espionagem Lusitano leva ao Rei Dom Manuel a notícia das navegações e novas descobertas Castelhanas. Então o que fez o rei português? Contratou o florentino Américo Vespúcio para tripular e cartografar as suas terras ao sul das descobertas espanholas, além de procurar o caminho oeste para as Índias e até mesmo de servir de base para a navegação às especiarias pela rota leste, como Pedro Álvares (depois Cabral) havia feito quando tocou aa novas terras do Brasil em abril de 1500.

Viagens atribuidas a Vespúcio

Em 28 de Agosto de 1501, a expedição portuguesa comandada por Gaspar de Lemos tinha a bordo um ilustre observador, o florentino Américo Vespúcio. Nesta data tocam o solo brasileiro no atual Cabo de Santo Agostinho, tal como os irmãos Pinzón havia feito há mais de um ano e meio antes. Coincidência ou não Vespúcio estar nesta viagem?
A partir daí os portugueses enfim percebem que o Brasil não era a “Ilha de Vera Cruz”, e começam a chama-lo de “Terra de Santa Cruz” pois a expedição foi nominando vários acidentes geográficos mais ao sul: Cabo de São Roque, Cabo de Santo Agostinho, Baía de Todos os Santos.
Continua rumo ao sul e vai nominando os acidentes geográficos: Cabo Frio, Rio de Janeiro a São Vicente. O dia do santo Católico segundo o calendário, era escolhido para nomear o acidente geográfico referenciado nos mapas e diários de bordo.
Esta viagem nos anos 1501 a 1502 é a mais precisa e detalhada de Vespúcio, que teria navegado até a latitude 50° Sul, ou seja, teria chegado ao extremo sul da atual Argentina.
Por que razão as navegações sob bandeira portuguesa ficam praticamente ocultas nessa época quando o astrolábio mostrava a latitude 25°30’ Sul? A resposta é: Terras Castelhanas. Mapas espanhóis antigo denominava nesta latitude uma Bahía de la Reyna de Castilla.
A viagem, os cálculos e a agulha da bússola apontavam que a costa ia “entrando pra oeste”, possivelmente estaria fora da jurisdição portuguesa pelo Tratado de Tordesilhas, a expedição se divide e pela primeira vez, Vespúcio assume o comando de uma flotilha em assembleia de tripulantes em alguma praia possivelmente dentro da baía de Paranaguá na enseada das Conchas na atual Ilha do Mel.

Baía de Paranaguá -vista satélite

Portanto, a entrada da Baía de Paranaguá nesta coordenada de latitude, estava numa ‘zona cinzenta’, e pelas dúvidas, evitava-se que Dom Manuel tivesse conflitos com seus sogros, os Reis de Espanha.
Para um velejador que percorre a costa brasileira buscando uma ‘passagem’ à oeste, é quase obrigatório entrar nas três grandes baías da costas do Brasil: Todos os Santos, Bahia; Guanabara, Rio de Janeiro e Paranaguá.
Retornando a Portugal, o rei ordena uma outra expedição com objetivo de seguir o mapeamento da costa e procurar a tão esperada passagem para oeste.
Novamente, Américo Vespúcio embarca. Agora na expedição de Gonçalo Coelho, que parte do Rio Tejo em meados de 1503 e retornando em julho de 1504. Foi essa expedição que, acidentalmente descobre a atual ilha Fernando de Noronha. Esta viagem alguns autores como seu biógrafo Alberto Magnaghi não a reconhecem como verdadeira, apesar de constar na famosa ‘Carta a Soderini’, texto impresso em Florença em 1505 que narra as aventuras de Vespúcio pelos mares que futuramente atribuíram seu nome: Américas.
Depois disso, só mais ao sul: Estuário do Rio da Prata, Bahía Blanca e Finalmente na Terra do Fogo, onde depois foi descoberto o Estreito de Magalhães, já tendo Américo Vespúcio sido nomeado em 1508 para o cargo supremo de Piloto Mayor de la Casa de Contratación de las Índias, responsável pelo tráfego marítimo do além-mar espanhol, capacitação dos capitães e pilotos.
Teria então sido o Almirante Américo Vespúcio que orientou e passou a rota e o mapa da entrada do tão procurado estreito (de Magalhães) para o lusitano Fernão de Magalhães a serviço da Coroa Espanhola em 1519, quando iniciou sua viagem de circum-navegação?
Portanto, não temos dúvidas: Foi Américo Vespúcio e seus marinheiros lusitanos, os primeiros europeus a adentrarem no Grande Mar Redondo: Paranaguá.
Esta baía por situar-se na latitude 25° 30 Sul, que era o limiar das terras de dois reinos poderosos em sua época, fica à mercê do descaso e esquecimento, pois os segredos da época praticamente lhe apagavam do mapa por razões estratégicas para portugueses e espanhóis.
Hoje com aparelhos modernos, já se sabe que a linha do meridiano de Tordesilhas passa exatamente sobre o porto e a cidade Paranaguá: é o meridiano da cidade de Belém do Pará: 48°30’ Oeste.
Assim, se cruzarmos as duas coordenadas de latitude e longitude, estaremos exatamente dentro da ‘Baía Esquecida’.

Estes são trechos do meu futuro livro: A Baía Esquecida que aos poucos vou montando por este blog.

Até a próxima!








[1] Da obra ‘Vicente Pinzón e a descoberta do Brasil’, de Rodolfo Espíndola (p.37).